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Tradutor do Blog do Folador

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Por que não vivemos para sempre?



Ao envelhecer, as células começam a nos trair. Desvendando os segredos do envelhecimento, cientistas podem tornar a vida mais longa e saudável

por Thomas Kirkwood


SE VOCÊ PUDESSE PLANEJAR como sua vida terminará – suas últimas semanas, dias, horas e minutos –, o que escolheria? Iria, por exemplo, ficar em boa forma até o último momento, para então ir rapidamente? Muitas pessoas dizem que escolheriam essa opção, mas vejo um detalhe importante. Se você se sente bem em um momento, a última coisa que deseja é cair morto na sequência. E para sua família e seus amigos, que sofreriam a perda, sua morte seria um golpe cruel. Mas lidar com uma doença terminal longa e arrastada também não é muito bom, assim como o pesadelo de perder um ente querido na escuridão da demência.



Preferimos evitar pensar sobre o fim da vida. Mesmo assim, é saudável fazer essas perguntas, ao menos de vez em quando, e defi nir corretamente os objetivos da política e pesquisa médicas. Também é importante perguntar até onde a ciência pode ajudar os esforços para enganar a morte. 

Costuma-se dizer que nossos ancestrais lidavam melhor com a morte, ao menos porque a viam com muito mais frequência. Há 100 anos, a expectativa de vida no Ocidente era 25 anos mais curta que hoje, resultado de muitas crianças e jovens adultos morrerem prematuramente por várias causas. Um quarto das crianças morria de infecções antes do quinto aniversário; mulheres jovens sucumbiam às complicações do parto; e mesmo um jovem jardineiro, ferindo a mão em um espinho, poderia ser vítima de envenenamento. 

Durante o último século, o saneamento e a medicina reduziram as taxas de mortalidade nos primeiros anos da vida tão drasticamente que a maior parte das pessoas está morrendo muito mais tarde, e a população como um todo é mais velha que antes. A expectativa de vida está aumentando em todo o mundo. Nos países mais ricos, cresce cinco horas ou mais por dia e, em muitos países em desenvolvimento que estão se livrando do atraso, aumenta ainda mais. A principal causa de morte hoje é o processo de envelhecimento e os vários desastres que ele provoca: o câncer, que leva as células a proliferar fora de controle, ou a doença de Alzheimer, no polo oposto, pela morte prematura dos neurônios. 

Até a década de 90, demógrafos previam com confiança que a tendência histórica de aumento da expectativa de vida logo cessaria. Muitos pesquisadores acreditavam que o envelhecimento era prefixado – um processo programado em nossa biologia que resultava em um momento predeterminado para morrer.



Ninguém previu a continuidade do aumento da expectativa de vida. Essa conquista pegou políticos e planejadores de surpresa. Os cientistas ainda estão se acostumando com a noção de que o envelhecimento não é fi xo, que ainda não chegamos ao limite do prazo de vida. Ele muda e continua a mudar, prolongado por razões que ainda não compreendemos bem. O declínio das taxas de mortalidade dos muito velhos está levando a expectativa de vida das pessoas a um território inexplorado. Se as certezas prevalentes sobre o envelhecimento humano desabaram, o que sobra? O que a ciência sabe mesmo sobre esse processo? 

Nem sempre é fácil aceitar essas novas ideias, porque os cientistas são humanos, e crescemos com concepções rígidas sobre o envelhecimento do corpo. Há alguns anos, enquanto dirigia com minha família pela África, uma cabra pega sob as rodas do nosso veículo morreu na hora. Quando expliquei à minha fi lha de 6 anos o que acabara de acontecer, ela perguntou: “A cabra era jovem ou velha?”. Fiquei curioso sobre a razão daquela dúvida. “Se ela estava velha, não é triste, porque não teria mais muito tempo para viver, de qualquer jeito”, foi a resposta. Fiquei impressionado. Se atitudes tão sofi sticadas quanto à morte se formam tão cedo, não surpreende que a ciência lute para aceitar a realidade de que a maior parte do que sabíamos sobre o envelhecimento está errado.

Para explorar o pensamento atual sobre o que controla o envelhecimento, vamos começar imaginando um corpo no fi nal da vida. O último suspiro é dado, a morte chega e a vida acaba. Nesse momento, a maioria das células está viva. Sem saber o que acaba de acontecer, elas conduzem, tão bem quanto possível, os processos metabólicos que suportam a vida – usando o oxigênio e os nutrientes à sua volta para gerar a energia necessária à síntese de proteínas e outros componentes celulares e ao suporte a suas atividades (a principal atividade das células).

Em pouco tempo, privadas de oxigênio, as células morrem e, com isso, algo imensamente antigo chega a seu fim silencioso. Cada célula do corpo que acaba de morrer poderia, se houvesse registros, traçar sua ancestralidade por uma cadeia ininterrupta de divisões celulares iniciada há 4 bilhões de anos com as primeiras formas de vida celular neste planeta.


A morte é certa. Mas pelo menos algumas de nossas células têm uma propriedade espantosa: são dotadas de algo tão próximo da imortalidade quanto pode ser alcançado na Terra. Quando você morre, apenas um pequeno número de suas células continuará essa linhagem imortal rumo ao futuro – e só se você tiver fi lhos. Apenas uma célula do seu corpo escapa à extinção – um espermatozóide ou um óvulo – por filho. Os bebês nascem, crescem, amadurecem e se reproduzem, continuando o ciclo.



O cenário que acabamos de imaginar revela não apenas o destino de nosso corpo mortal, ou “soma”, constituído de todas as células não reprodutivas, mas também a quase milagrosa imortalidade da linhagem celular a que pertencemos. A questão principal da ciência do envelhecimento, que dá origem a todas as outras, é: por que a maioria das criaturas tem um corpo mortal? Por que a evolução não levou nossas células a aproveitar a aparente imortalidade da linhagem genética representada pelo espermatozoide e o óvulo? Essa questão foi levantada pela primeira vez pelo naturalista alemão do século 19, August Weismann, e uma solução me ocorreu durante o banho, em uma noite de inverno no início de 1977. 

Acredito que a resposta, hoje chamada de teoria do soma dispensável, explica muito sobre por que o envelhecimento das diferentes espécies acontece como vemos.


POR QUE ENVELHECEMOS ASSIM

A teoria é mais bem compreendida considerando os desafi os que as células dos organismos complexos enfrentam enquanto tentam sobreviver. Elas são danifi cadas o tempo todo – o DNA tem mutações, as proteínas sofrem danos, moléculas altamente reativas chamadas radicais livres rompem as membranas e a lista segue. A vida depende da cópia e tradução constante dos dados genéticos, e sabemos que o maquinário celular que lida com todas essas coisas, por melhor que seja, não é perfeito. Considerando todos esses desafi os, a imortalidade da linhagem genética impressiona.



As células vivas funcionam sob constante ameaça de quebra, e a linhagem não fi ca imune. A razão por que ela não se extingue em uma catástrofe de erros tem a ver, por um lado, com seus mecanismos altamente sofi sticados de manutenção e reparos e, por outro, com sua capacidade de se livrar dos erros mais sérios por meio de rodadas contínuas de competição. Os espermatozoides são produzidos em quantidades excessivas; normalmente, apenas um deles consegue fertilizar o óvulo. As células que originam os óvulos são produzidas em números muito maiores do que podem ser liberadas; um rigoroso controle de qualidade elimina aquelas que não forem boas o bastante. E, fi nal mente, se erros passarem por todos esses testes, a seleção natural dá a última palavra sobre quais indivíduos são mais aptos a transmitir seus genes às gerações futuras.

Após o feito aparentemente milagroso de gerar um corpo inteiro a partir de uma única célula – o óvulo fertilizado –, deveria ser relativamente simples sua manutenção indefi nida, como o evolucionista americano George Williams apontou. Realmente, para alguns organismos pluricelulares, a ausência de envelhecimento parece ser a regra. A hidra de água doce, por exemplo, mostra um poder de sobrevivência impressionante. 

Aparentemente não envelhece, já que não mostra aumento de mortalidade ou decréscimo de fertilidade ao longo do tempo, assim como parece capaz de regenerar todo um corpo novo a partir de um pequeno fragmento se for cortada em pedaços. O segredo de sua juventude eterna é o fato de seu corpo ser permeado de células germinativas. Se elas estão em toda parte, não surpreende que um indivíduo possa sobreviver indefi nidamente se não for vítima de danos ou predadores.

Na maioria dos animais multicelulares, no entanto, a linhagem genética é encontrada apenas no tecido das gônadas, onde espermatozóides e óvulos são formados. Esse arranjo tem muitas vantagens. Durante a longa história da evolução, permitiu que outros tipos de células se especializassem – células nervosas, musculares, hepáticas, entre outras necessárias para o desenvolvimento de qualquer organismo complexo, um Triceratops ou um humano.

A divisão de trabalho teve consequências duradouras sobre o envelhecimento e a expectativa de vida dos organismos. Assim que as células especializadas deixaram o papel de continuar a espécie, também abandonaram qualquer necessidade de imortalidade; elas poderiam morrer depois que o corpo passasse seu legado genético para a próxima geração.



Então, por quanto tempo essas células especializadas podem viver? Em outras palavras, por quanto tempo nós e outros organismos complexos podemos viver? A resposta para qualquer espécie tem relação com as ameaças ambientais enfrentadas por seus antecessores enquanto evoluíam e com os custos energéticos da manutenção do corpo em boas condições de operação.

A grande maioria dos organismos morre relativamente jovem por causa de acidentes, predação, infecção ou fome. Ratos selvagens, por exemplo, estão à mercê de um ambiente muito perigoso. Eles são mortos rapidamente – é raro chegarem ao primeiro aniversário. Os morcegos, por outro lado, estão mais seguros porque podem voar.



Enquanto isso, a manutenção do corpo é custosa e os recursos costumam ser limitados. De todo o consumo de energia, uma parte pode ir para o crescimento, outra para os trabalhos físicos e para o movimento e outra para a reprodução. Um pouco dessa energia, no entanto, pode ser armazenada sob a forma de gordura para proteção contra a fome, mas boa parte dela é consumida apenas para reparar os inúmeros danos que surgem a cada segundo de vida do organismo. Outra parte desses escassos recursos vai para a conferência do código genético envolvido na síntese contínua de novas proteínas e moléculas essenciais. E outra ainda movimenta os mecanismos de eliminação de dejetos celulares, ávidos por energia.











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